O então deputado Roberto Jefferson contou ao
Congresso como o governo do PT criou o mensalão, o esquema de suborno de
parlamentares que era operado pelo publicitário Marcos Valério (ao lado). As
revelações provocaram decepção e choro de alguns parlamentares petistas,
ameaçaram a continuidade do governo Lula e resultaram no processo que acusa 36
pessoas de crimes de formação de quadrilha, corrupção ativa, peculato, evasão
de divisas e lavagem de dinheiro (Dida Sampaio/AE Beto Barata/AE Ailton de
Freits/Ag. Globo Beto Barata/AE AE)
"Tudo
o que eu disse aqui é de conhecimento do ministro José Dirceu. Tudo!"
Era tarde de terça-feira, 14 de junho de 2005, sob
os holofotes de toda a imprensa nacional, quando o deputado Roberto Jefferson
(PTB-RJ) entrou no Congresso Nacional escoltado por dois advogados, arrastando
uma mala vermelha com rodinhas, recheada de papéis que, segundo ele,
derrubariam a República. Em seis horas e 35 minutos de depoimento ao Conselho
de Ética da Câmara, ele listou pela primeira vez os nomes dos parlamentares que
venderam votos ao governo Lula, a elite do esquema que ficaria eternizado como
mensalão.
Presidente do extinto PL (hoje PR), o deputado federal
Valdemar Costa Neto (SP), um dos cabeças da base parlamentar do governo
montada - hoje, sabe-se como - por José Dirceu, insurgiu-se contra Jefferson,
dedo em riste, com ares de desespero e ira. “Nós no PL só temos bons deputados.
Diga o nome de quem recebe. Caso o PL tenha parlamentares envolvidos, quero que
o senhor dê o nome, para nós investigarmos",afirmou. O discurso desmoronou
em segundos. Jefferson olhou fixamente para o desafeto e fuzilou: "Eu
afirmo que Vossa Excelência recebe".
O deputado do ex-PL era um dos nomes de uma lista
que o petebista havia apontado minutos antes: Bispo Rodrigues (PL-RJ), Sandro Mabel (PL-GO)
- não é réu na ação penal -, Pedro Corrêa (PP-PE), José Janene (PP-PR) - morreu em 2010 - e Pedro Henry (PP-MT). “Não são todos os
deputados que recebem mensalão. Mas deputado Valdemar Costa Neto, deputado José
Janene, Pedro Corrêa, Sandro Mabel, Bispo Rodrigues, Pedro Henry, me perdoem,
de coração, não posso ser cúmplice de vocês", disse. O Congresso entrou em
alvoroço. E o governo Lula, em convulsão.
Depois de 23 sessões de julgamento, o Supremo
Tribunal Federal (STF) iniciará nesta segunda-feira uma etapa crucial do
julgamento do mensalão. É o capítulo mais longo do voto do relator, Joaquim
Barbosa, e também um dos mais importantes: chegou a vez da compra de
parlamentares no governo Lula. O roteiro do voto de Barbosa começa pelos
partidos que vitaminaram a base, PTB, PMDB, PL (agora PR) e PP. Em seguida,
será a vez do próprio PT, até chegar à aquele que, segundo a Procuradoria-Geral
da República, chefiava a quadrilha: José Dirceu.
Infográfico
Condenações - O STF já condenou João Paulo Cunha por ter
fraudado uma licitação na Câmara em favorecimento a Marcos Valério de Souza, o
"carequinha", operador do esquema. Valério foi considerado culpado
por ter integrado um engenhoso sistema de lavagem de dinheiro. Condenou
ex-dirigentes do Banco Rural e do Banco do Brasil por repasses dissimulados ao
esquema.
Só agora, entretanto, o julgamento se voltará ao
centro da denúncia, o motivo pelo qual o mensalão constituiu a maior ameaça às
instituições democráticas desde a redemocratização do país: a negociação de
apoio político no Congresso Nacional.
A primeira fase do julgamento não foi dos melhores
para os réus. A confirmação do Supremo de que o grupo criminoso se valeu de
empréstimos fraudulentos e usou um ardiloso esquema de lavagem de dinheiro
ameaça os mensaleiros. Ao atestar que crimes deram início à liberação de
dinheiro a parlamentares e confirmar que houve intenção em dissimular a origem
e os reais beneficiários do esquema, os ministros colocam os acusados do PP,
PMDB, PR e PTB à beira do cadafalso da condenação por corrupção passiva.
Os magistrados foram taxativos ao atestar que não
importa o destino que cada parlamentar deu aos recursos desviados. Chegaram a
afirmar que, mesmo se a propina tivesse sido destinada à caridade, ainda assim
haveria o crime de corrupção.
Com esse entendimento e sob a condução de Joaquim
Barbosa, devem ser anunciadas nesta semana as primeiras condenações de
deputados e ex-deputados que traíram seu eleitorado e se corromperam no
exercício parlamentar. A tese da compra de votos para a aprovação de projetos
de interesse do Palácio do Planalto é a base da denúncia do Ministério Público
contra o maior escândalo político da Era Lula.
Negacionismo - A sequência de condenações (dez até agora) tirou o
ânimo de mensaleiros e calou os negacionistas porque, ao que tudo indica, os
principais pilares da acusação serão aceitos pelo Supremo ainda que petistas e
defesa tentem desmentir os fatos. Na semana passada, um trecho da fala do
ministro José Dias Toffoli, ex-advogado de petistas, surpreendeu até mesmo seus
colegas da corte: "A denúncia conseguiu comprovar o valerioduto. Aquilo
que a imprensa chamou de mensalão são cenas que assistiremos no próximo
capitulo".
Dos mensaleiros enquadrados nesse trecho da
denúncia, dois têm mandato na Câmara: Pedro Henry e Valdemar Costa Neto. Alguns
refizeram a trajetória política fora do Congresso: José Borba, na época do PMDB (hoje no PP),
virou prefeito do município de Jandaia do Sul, no Paraná. Roberto Jefferson,
impedido de concorrer a cargos públicos por ter sido cassado pela Câmara, faz
política por meio da presidência do PTB.
Teses - Ao todo, 23 réus entre políticos, parlamentares e
ex-funcionários de partidos começarão a ser julgados por corrupção e lavagem de
dinheiro. Os chefes do chamado núcleo político – José Dirceu, José Genoino e
Delúbio Soares – também terão suas teses de defesa colocadas pela primeira vez
à prova no julgamento da ação penal do mensalão. Neste capítulo de análise da denúncia,
os ministros do STF devem confirmar que, para serem condenados por corrupção,
não é preciso que a ação, alvo do achaque, tenha sequer sido completada.
Para os réus serem apenados no Supremo, o plenário
também deve atestar que os parlamentares lavaram os recursos do valerioduto ao
simular que o dinheiro serviria para a quitação de despesas eleitorais. A corte
tende a confirmar não ser preciso nem que o processo de lavagem se complete ou
que a propina seja incorporada ao patrimônio de cada um.
Ao analisar as acusações de corrupção e lavagem de
dinheiro envolvendo políticos, o Supremo terá a oportunidade de ratificar as
palavras ditas por Roberto Jefferson naquela tarde de 2005, que ecoam até hoje
pelos corredores do Congresso. "Tudo o que eu disse aqui é de conhecimento
do ministro José Dirceu. Tudo!".
Fonte: site da veja