Estudo da Unifesp
aponta aumento no número de receptores canabinoides no cérebro durante crises
de abstinência, o que pode ajudar no desenvolvimento de novos tratamentos e
terapias
Durante
uma crise de abstinência, um alcoólatra pode passar por diversas alterações de
humor, se sentindo agitado, ansioso, deprimido ou irritado. Ele também pode
passar por náuseas, tremedeiras, hipertensão e até convusões e delírios. Isso
tudo pode ter relação com uma alteração no sistema canabinoide em seu cérebro (Thinkstock).
Uma
das maiores dificuldades enfrentadas pelos alcoólatras quando tentam se livrar
do vício são as crises de abstinência. Após anos consumindo a substância
regularmente, o corpo reage ao corte repentino da bebida com uma série de
sintomas como ansiedade, irritabilidade, tremores, náuseas e, em casos mais
extremos, convulsões e delírios. Pesquisadores do Laboratório de Neurobiologia
da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)
descobriram que, durante essas crises, algumas regiões cerebrais diretamente
envolvidas com a dependência sofrem alterações importantes, com um aumento na
produção de receptores canabinoides.
O
cérebro humano produz uma série de substâncias conhecidas como
endocanabinoides, que possuem estrutura semelhante ao tetrahidrocanabinol (THC)
— componente responsável pelos principais efeitos da maconha. Essas substâncias
possuem várias funções corporais, entre elas a regulação de neurotransmissores
como a serotonina e a dopamina, relacionados a transtornos psiquiátricos, ao
sistema de recompensa do cérebro e à dependência.
No
estudo, a intenção dos pesquisadores da Unifesp foi analisar a quantidade de
receptores a esses endocanabinoides que poderia ser encontrada no cérebro de
camundongos em meio a crises de abstinência. Para isso, eles forneceram aos
animais doses diárias de álcool, e separaram aqueles que pareciam mais
sensíveis aos efeitos da droga daqueles que se mostraram resistentes.
Após
21 dias, eles cortaram a administração do álcool. Ao analisar o cérebro dos
animais, eles descobriram que a ausência súbita da substância produzia, apenas
nos ratos mais sensíveis, um aumento na quantidade de receptores canabinoides
em regiões responsáveis pela aprendizagem, memória, emoções, motivação, tomada
de decisão e estresse. “Além disso, uma nova dose de álcool reverteu totalmente
os efeitos da abstinência sobre estes receptores”, afirma Cassia Coelhoso,
pesquisadora da Unifesp e uma das responsáveis pelo estudo.
Tratamento
contra alcoolismo — Segundo os
pesquisadores, ainda não é possível saber por que o número de receptores
canabinoides aumenta nesses animais. “Não sabemos se esse aumento causa os
sintomas de abstinência ou se ele acontece justamente para diminuir esses
efeitos. Precisaremos de mais pesquisas para saber se ele é um desencadeador da
crise ou um protetor do sistema nervoso”, afirma Renato Filev, pesquisador da
Unifesp e coautor do estudo.
Para
o cientista, o que a pesquisa mostra claramente é uma relação entre os
receptores canabinoides e o alcoolismo. Isso pode levar, no futuro, ao
desenvolvimento de melhores tratamentos para a dependência da substância. “O
sistema endocanabinoide pode ser um importante alvo terapêutico para o
alcoolismo, principalmente durante a fase de abstinência, caracterizada por
altas taxas de recaídas. No futuro, podemos encontrar algum tipo de molécula
que possa manipular esse sistema. O problema é que ainda não sabemos se
procuramos por algo que o ative ou desative”, afirma o pesquisador.
CONHEÇA
A PESQUISA
Título
original: Temporal and Behavioral Variability in Cannabinoid Receptor Expression
in Outbred Mice Submitted to Ethanol-Induced Locomotor Sensitization Paradigm
Onde foi divulgada: periódico Alcoholism: Clinical and Experimental
Research
Quem fez: Cássia C. Coelhoso, Douglas S. Engelke, Renato
Filev, Dartiu X. Silveira, Luiz E. Mello e Jair G. Santos-Junior
Instituição: Universidade Federal de São Paulo, entre outras
Dados de amostragem: Camundongos que passaram 21 dias consumindo doses diárias
de álcool
Resultado:
: Os pesquisadores separaram os animais entre aqueles mais sensíveis e mais
resistentes aos efeitos cumulativos do álcool. Após cortar a administração da
droga, eles analisaram seus cérebros e descobriram que os mais sensíveis
apresentavam uma quantidade maior de receptores canabinoides em áreas
relacionadas à dependência.
Fonte:
veja